sábado, 31 de dezembro de 2011

A poesia em 2011

Por ordem alfabética dos títulos, 15 livros de poesia publicados este ano que li e que destaco:

- 2010-2011, Ana Paula Inácio, Averno;
- A mão na água que corre, José Manuel de Vasconcelos, Assírio & Alvim;
- As raízes diferentes, Fernando Guimarães, Relógio D'Água;
- Cobra d' Água, A. M. Pires Cabral, Cotovia;
- Como se desenha uma casa, Manuel António Pina, Assírio & Alvim;
- Cova Funda, Nunes da Rocha, & etc;
- Em caso de tempestade este jardim será encerrado, Inês Dias, Tea for One;
- Lendas da Índia, Luís Filipe Castro Mendes, D. Quixote;
- Motet pour les trépassés, Manuel de Freitas, Língua Morta;
- Nervo, Diogo Vaz Pinto, Averno;
- O som do sôpro, António Barahona, Poesia Incompleta;
- Raspar o fundo da gaveta e enfunar uma gávea, António Barahona, Averno;
- Serém, 24 de Março, José Miguel Silva, Averno;
Um arraial português, Rui Lage, Ulisseia;
- Vim porque me pagavam, Golgona Anghel, Mariposa Azual.

Vítor Nogueira e Bénédicte Houart publicaram também bons livros, Modo fácil de copiar uma cidade, & etc, e Vida: variações II, Cotovia, respetivamente. De assinalar ainda, em edição dos autores, A dança das feridas, de Henrique Fialho, Rumor, de José Carlos Barros e Teorias, de manuel a. domingos. Não foram lidos (por enquanto) os Negócios em Ítaca, de Bernardo Pinto de Almeida, Relógio D'Água; Tentativa e erro, de José Alberto Oliveira, Assírio & Alvim; Portas do mar, de Manuel de Freitas, edição do autor; O comportamento das paisagens, de Pedro Tiago e Breve passagem pelo fogo, de Frederico Pedreira, os dois últimos editados pela Artefacto. A Assírio & Alvim editou duas antologias imperdíveis, uma de Manuel António Pina (organizada pelo próprio) e outra de Ruy Belo, poemas escolhidos por Manuel Gusmão. Pedro Mexia também se autoantologiou em Menos por menos (edição D. Quixote); João Luís Barreto Guimarães reuniu os poemas (edição Quetzal). As revistas Telhados de Vidro e Criatura  continuam a dar cartas e têm trunfos muito fortes. A Piolho é irregular (o número 6 foi o melhor, até agora). A Golpe d' Asa não começou mal, talvez possa melhorar. Que se foda a crise. Feliz Ano Novo.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"a pintura"

Em parte, talvez seja assim. Mas penso que só em parte. Veja-se, por exemplo, um livro do ano que agora finda que, prática e imerecidamente, passou despercebido, A mão na água que corre, de José Manuel de Vasconcelos (Assírio & Alvim). Pintura? Rubens e Van Gogh, sim, mas também Christopher Pratt ou Lourdes Castro. Ou Gerardo Rueda:

NUMA EXPOSIÇÃO DE GERARDO RUEDA

Olhavas para um quadro de Rueda
com um ar curioso mas displicente
procurando acolher aquelas três ou quatro
massas de cor na desorganização do teu olhar
que bem reflectia a tua vida
e eu contemplava-te apenas a pensar em sexo
e colocava-te mentalmente nas posições
em que gostaria de te possuir nessa noite
quando na efémera paisagem do quarto de hotel
organizássemos a relação do desejo
com os objectos que o habitavam (cama, cadeira, espelhos,
e até o armário)
No fundo, no teu corpo
inscrevia-se a indecifrável vertigem
que une a arte e a vida

(p. 60)

Também aqui se vê, curiosamente, à maneira de Hopper, uma "efémera paisagem d[e] quarto de hotel"; mas não se vislumbra nenhuma melancolia, antes desejo e vertigem. A propósito de vertigem, ocorre-me ainda um outro exemplo (igualmente de um livro deste ano): 2010-2011, de Ana Paula Inácio. Também aqui, em vez de Hopper, as latas de Tomato Soap ou as embalagens de detergente Brillo de Warhol; ou Francis Bacon. Sim, apesar de tudo, a coisa é muito mais divertida e interessante.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A poesia em 2011: Manuel da Silva Ramos

Equipado para morrer



deixei a minha casa
equipado para morrer
mas não morri

saí do café trivial
equipado para morrer
mas não morri

pus-me à espera do eléctrico
equipado para morrer
mas não morri

entrei no meu emprego
equipado para morrer
mas não morri

saí do meu emprego
equipado para morrer
mas não morri

apanhei o autocarro
equipado para morrer
mas não morri

entrei no bar
equipado para morrer
mas não morri

regressei a casa
equipado para morrer
mas não morri

deitei-me na minha cama
equipado para morrer
e não morri



(Golpe d'asa, CLEPUL e GOLPE Edições, Lisboa, novembro, 2011, p. 21).

domingo, 4 de dezembro de 2011

Bora Altas













(Bora Altas como Yusuf, em Mel, filme de Semih Kaplanoglu (Turquia, 2010)