segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

A poesia em 2012 - uma escolha

 
Dos livros que li, e feitas as derradeiras actualizações no último dia do ano, escolho estes como os melhores de 2012:
 
A) POESIAS REUNIDAS & ANTOLOGIAS DE AUTORES:
 
- Todas as palavras - Poesia reunida, Manuel António Pina, Assírio & Alvim. (Fundamental).
 
 
B) ANTOLOGIAS & PUBLICAÇÕES COLECTIVAS:
 
- Nós, os desconhecidos, Averno. (Excluindo o terceiro Resumo, porque apresenta uma selecção "dos melhores poemas" de 2011, este livro/álbum da Averno surge como uma das obras mais intensas do ano que agora termina. Ladrador, Averno e Deitar a língua de fora, Língua Morta, também merecem destaque como livros de grande qualidade).
 
 
C) LIVROS DE AUTOR:
 
- Bastardo, Diogo Vaz Pinto, Averno. (Aos "vinte e seis anos aqui ou agora" (p. 69) um segundo grande livro e a confirmação de um poeta que veio para desassossegar). E De nada, de Alberto Pimenta. Obra total.
 
 
D) OUTROS LIVROS DE POETAS:
 
- O concerto interior - evocações de um poeta, Assírio & Alvim. (Um livro simples e comovedor).
 
 
E) POESIA TRADUZIDA:
 
- A.A.V.V., Um país que sonha - cem anos de poesia colombiana; selecção e prólogo de Laurem Mendinueta; traduções de Nuno Júdice, Assírio & Alvim. (Umas boas dezenas de maravilhosas pepitas de ouro. O que se diz aos senhores? Queremos mais!).
 
E agora bom ano novo.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Ricardo Marques

Weather forecast



Acreditar na vida como
acreditamos no boletim
metereológico de todos os dias.
Apesar de todas as previsões,
profundamente científicas,
há sempre uma variável que não
controlamos. E por isso temos
esperança e desconfiamos. E tal
como toda a gente, aprendemos
que há que saber sair de casa
esquecendo deliberadamente o
guarda-chuva.




(Eudaimonia, ed. do autor, p. 13)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A poesia em 2012


Sem querer entrar em competição directa com Luís Miguel Queirós (e todos os outros leitores de poesia que têm a mania das listagens bibliográficas), apresento aqui um inventário dos livros publicados em 2012. É certo que o ano ainda não terminou e que, dado o volume editorial das últimas semanas, não se deve pôr de lado a possibilidade de surgirem mais novidades até ao dia 31 de dezembro. No entanto, avanço já com esta empreitada que ninguém me encomendou e que, logicamente, assume a natureza de um trabalho em processo: porque é bem possível que me esteja a esquecer de algum livro que não devia e de que me lembre entretanto; porque algum leitor eventual deste post poderá fazer algum reparo justificado; porque nenhuma lista, embora o deseje, consegue ser totalmente exaustiva. Porém, e apesar de todas estas objecções, tenho a esperança de que a maior parte das publicações e obras publicadas este ano, em Portugal, no campo da poesia, aqui esteja incluída. Os poucos (quero crer) livros não referidos ficam de fora porque, pura e simplesmente, não os conheço - ou porque calhou não chegarem ao meu conhecimento; ou porque não houve nada (neles ou por causa deles) que me acordasse para os mesmos; ou porque, afinal, eu estive distraído. É quase indubitável que o mal deve ser meu. Mas que posso fazer senão reconhecer tal fraqueza? Por último, quero deixar claro, em nome da verdade, que não li ainda todos os livros listados; indico esse facto à frente da obra referida através das inicias NL (ou seja: Não Li). Desses livros ainda não lidos uns quantos, poderia apostar, serão alguns dos melhores de 2012. Mas isso é muito provável que eu  descubra só em 2013. 


(NOTA: Esta lista está organizada por secções: "Poesia reunida", "Revistas", etc; para além da junção das obras de um mesmo autor - sempre que tal se justifique -, não existe outro critério que ordene as obras no interior de cada secção, nem sequer o critério alfabético; se houver razões para isso, serão feitas actualizações até ao final do ano).



A) POESIAS REUNIDAS & ANTOLOGIAS DE AUTORES

1) Manuel António Pina, Todas as palavras - Poesia reunida, Assírio & Alvim (do mesmo autor, e na mesma editora, saiu também O pássaro na cabeça e mais versos para crianças);
2) Vasco Graça Moura, Poesia Reunida (2 volumes), Quetzal;
3) Daniel Faria, Poesia, Assírio & Alvim;
4) Carlos Poças Falcão, Arte Nenhuma (Poesia - 1987/2012), Opera Omnia (NL);
5) Maria do Rosário Pedreira, Poesia Reunida, Quetzal.
6) Eugénio de Andrade, Assírio & Alvim (nova edição das obras do autor em volumes que agrupam dois livros em cada volume; foram editados os dois primeiros destes volumes).
7) Sophia de Mello Breyner, Os poemas sobre Pessoa, Caminho (NL);
8) Emanuel Jorge Botelho, Tudo isto para falar da noite; prefácio e selecção de Manuel de Freitas, Língua Morta.
9) Inês Lourenço, Câmara escura - uma antologia; selecção de Manuel de Freitas, Língua Morta;
10) José Jorge Letria, Poesia escolhida, organização e apresentação de Teresa Carvalho, Imprensa da Universidade de Coimbra (NL).


B) REVISTAS

1) Telhados de Vidro, Averno, Lisboa (2 números: 16 e 17);
2) Relâmpago, Lisboa, nº duplo (29 e 30)(NL);
3) Cão Celeste, Lisboa (2 números: 1 e 2);
4) Piolho, Edições Mortas, Porto (3 números: 8, 9 e 10) (NL);
5) Grisu, Guimarães (primeiro número).


C)  ANTOLOGIAS & PUBLICAÇÕES COLECTIVAS 

1) Algarve - 12 poetas a sul do século XXI, Livros Capital;
2) A vista desarmada, o tempo largo - Antologia. Poetas em homenagem a Vasco Graça Moura; Quetzal;
3) Meditações sobre o fim - os últimos poemas, Hariemuj;
4) Quinteto, Artefacto;
5) Este é o meu sangue, Tea For One;
6) De fio a pavio, Tea For One;
7) Deitar a língua de fora, Língua Morta;
8) Ladrador, Averno;
9) Hotel Oslo, ed. dos autores;
10) Nós, os desconhecidos, Averno;
11) Merry Little Christmas, Averno;
12) Resumo - a poesia em 2011, Fnac/Documenta;
13) Ruindade, 50 Kg..


D) LIVROS DE AUTOR

1) Nuno Costa Santos, às vezes é um insecto que faz disparar o alarme, Companhia das Ilhas;
2) Nuno Moura, Prémio nacional de poesia, MiaSoave,
3) Alberto Pimenta, Al face-book, 7 nós;
4) Jorge Roque, Canção da vida, Averno;
5) António Barahona, A doença - panaceia, Língua Morta;
6) António Barahona, Maçãs de espelho, Língua Morta (inclui a plaquete anterior);
7) Luís Filipe Parrado, Entre a carne e o osso, Língua Morta;
8) Fernando Pinto do Amaral, Paliativos, Língua Morta;
9) Inês Dias, In situ, Língua Morta;
10) Armando Silva Carvalho, De amore, Assírio & Alvim;
11) Jorge Sousa Braga, O novíssimo testamento e outros poemas, Assírio & Alvim;
12) José Tolentino Mendonça, Estação Central, Assírio & Alvim;
12) Marta Chaves, Dar-te amor e tirar-te a vida, Tea For One;
13) Manuel Paes, Em equilíbrio no tempo, Tea For One;
14) Manuel de Freitas, Cólofon, Fahrenheit 451;
15) Manuel de Freitas, 18 de abril, Língua Morta;
16) Rui Baião, Rude, Averno;
17) Diogo Vaz Pinto, Bastardo, Averno;
18) José Carlos Soares, Do lado de fora, 50 Kg;
19) Miguel Martins, a metafísica das t-shirts brancas, 50 Kg;
20) Miguel Martins, Cãibra, Ediresistência;
21) Henrique Manuel Bento Fialho, Rogil, volta d' mar;
22) Hélia Correia, A terceira miséria; Relógio D'Água;
23) Inês Fonseca Santos, As coisas, Abysmo;
24) João Paulo Cotrim, Má raça, Abysmo;
25) Nuno Júdice, Fórmulas de uma luz inexplicável, D. Quixote;
26) Nuno Dempster, Pedro e Inês: Dolce stil nuovo, Edições Sempre-em-Pé (NL);
27) Paulo da Costa Domingos, Versos abrasileirados, &etc;
28) Rosa Alice Branco, Concerto ao vivo, &etc (NL);
29) António Carlos Cortez, Linha de fogo, Licorne;
30) Raquel Nobre Guerra, Groto Sato, Mariposa Azual;
31) Vasco Gato, A fábrica, Língua Morta;
32) Rui Costa, Breve ensaio sobre a potência, Língua Morta
33) Amadeu Baptista, Açougue, &etc (NL);
34) Nuno Dempster, Elegias de Cronos, Artefacto (NL);
35) Isabel Carvalho, Resgate, Pé de Mosca (NL);
36) Susana Araújo, Dívida soberana, Mariposa Azual;
37) Miguel-Manso, Aqui podia viver gente, Primeiro Passo;
38) Jaime Rocha, Mulher inclinada com cântaro, volta d' mar (NL);
39) Alberto Pimenta, De nada, Boca.


E) EDIÇÕES DE AUTOR

1) Miguel-Manso, Ensinar o caminho ao diabo;
2) Miguel-Manso, Um lugar a menos;
3) Manuel Filipe, Via de Curetes;
4) manuel a. domingos, Penumbra
5) Ricardo Marques, Eudaimonia;
6) Paulo Tavares, Capitais.


F) ENTRE A POESIA E OUTRA COISA

1) Jorge Roque, O martelo, ed. do autor;
2) Bénédicte Houart, Há dias, &etc;
3) Rui Pires Cabral, Biblioteca dos rapazes, Pianola;
4) Miguel Martins, fôlego sem folga, Língua Morta;
5) Miguel Martins, Um homem sozinho, Língua Morta.


ANEXO1: OUTROS LIVROS DE POETAS QUE NÃO SÃO DE POESIA (OU, SE CALHAR, ATÉ SÃO):

1) Al Berto, Diários, Assírio & Alvim;
2) Manuel António Pina, Aniki-Bóbó, Assírio & Alvim (NL);
3) Vitor Silva Tavares, Para já Para já, Dois dias edições;
4) António Osório, O concerto interior - evocações de um poeta, Assírio & Alvim;
5) Manuel de Freitas, Pedacinhos de ossos, Averno;
6) João Miguel Fernades Jorge (e Pedro Calapez), O próximo outono, Relógio D'Água (NL).


G) TRÊS POETAS BRASILEIROS

1) Lêdo Ivo, Antologia poética, Afrontamento (org. Albano Martins);
2) Fabio Weintraub, Baque, Língua Morta;
3) Pádua Fernandes, Cálcio, Averno (NL).


H) POESIA TRADUZIDA

1) A.A.V.V., Um país que sonha - cem anos de poesia colombiana; selecção e prólogo de Lauren Mendinueta; traduções de Nuno Júdice, Assírio & Alvim;
2) Tomas Tranströmer, 50 poemas; trad. de Alexandre Pastor, Relógio D'Água;
3) Tomas Tranströmer, As minhas lembranças observam-me seguido de Primeiros poemas; trad. de Ana Diniz e Alexandre Pastor, Sextante;
4) A.A.V.V., Três momentos da poesia europeia (De Safo e Píndaro a Ungaretti e Salinas); selecção, tradução e notas de Albano Martins, Afrontamento (NL);
5) A.A.V.V., O tigre na rua e outros poemas; traduções de Miguel Gouveia, Helder Guégués e Nina e Filipe Guerra, Bruaá;
6) Jean Cocteau, Tanta coisa por dizer; selecção e trad. de Inês Dias, Língua Morta (NL);
7) Antonio Hernández, O mundo inteiro; trad. de Inês Dias Língua Morta;
8) Antonia Pozzi, Morte de uma estação; trad. de Inês Dias, Averno;
9) Amy Lowell, Não eram rosas; selecção e trad. de Ricardo Marques, Língua Morta;
10) John Mateer, Este livro escuro; trad. de Inês Dias, Averno;
11) Pablo Neruda, Vinte poemas de amor e uma canção desesperada; trad. José Miguel Silva, Relógio D'Água (NL).


I) ALGUMAS OBSERVAÇÕES

1) Acentua-se a tendência, já enunciada pelos mais atentos, para o quase desaparecimento da poesia no plano corrente de edição de editoriais de certa dimensão e com alguma tradição na publicação de poesia (Relógio D'Água, Caminho, D. Quixote...) ou para uma redução substancial do número de obras publicadas  por uma editora de referência como a Assírio & Alvim. A Cotovia, editora de média dimensão que publicou obras de grande relevo, tanto de poetas nacionais como estrangeiros, pelo que constatei, não publicou qualquer livro de poesia este ano.

2) Confirma-se, também, a tendência para a poesia ser publicada por editoras de pequena ou pequeníssima dimensão, com tiragens reduzidas; enquanto objectos - factor que interessa a qualquer amante de livros - estes costumam variar, material e tipograficamente, entre um despojamento quase total e uma certa vocação para a volúpia tipográfica e sensorial em que todos os pormenores (papel, gramagens, texturas, cheiros, imagens/ilustrações...) contam. De salientar, igualmente, o aparecimento de novas editoras como Pianola, Fahrenheit 451, Ediresistência, Hariemuj...

3) Este ano verificou-se, também, o aparecimento de um número assinalável de livros/publicações colectivas (antologias ou volumes organizados a partir de núcleos temáticos mais ou menos explícitos e/ou explicitados). Mas dificilmente se poderá constatar muito mais do que isto, dada a inexistência de grupos ou tendências mais ou menos definidas. Deve ser registado o facto de ter sido editado o terceiro Resumo, o volume antológico  com os "melhores poemas publicados em Portugal ao longo do ano de 2011", segundo Armando Silva Carvalho, José Alberto Oliveira, Luís Miguel Queirós e Manuel de Freitas.

4) Confirma-se a tendência para a rarefacção das edições de autor (mas é difícil saber exactamente o que vai sendo publicado).

5) Registe-se, sem alegria, o reduzidíssmo número de traduções publicadas. Uma pobreza (quase) total. E dos onze livros que destaco (houve mais?), seis foram editados por três pequenas editoras. Comentários para quê? Só se for para saudar o bom gosto e a determinação heroica, quase quixotesca, dos tradutores e editores da Língua Morta, da Averno e da Bruaá. Dito isto, quero afirmar que a antologia de poesia colombiana, organizada por Lauren Mendinueta e traduzida por Nuno Júdice é, apesar do número reduzido de poemas por autor, uma obra fascinante. E há tanto mundo por descobrir!

(Rui Costa. Manuel António Pina. Papiniano Carlos: talvez a morte não tenha, ainda, a última palavra).

(Post scriptum - Façamos alguma contas, retiremos algumas ilações. Das editoras de maior dimensão, só a Assírio & Alvim parece apostada em continuar a publicar poesia com regularidade (8 livros); a Quetzal publicou apenas 4 livros de poesia, todos de certa envergadura (obras poéticas reunidas de Vasco Graça Moura - bem como uma antologia de homenagem a este autor - e de Maria do Rosário Pedreira); a Relógio D'Água publicou somente 4 livros (e apenas 1 de um autor português, Hélia Correia; o livro de João Miguel Fernandes Jorge apresenta-se como um diário...); a Caminho e a D. Quixote publicaram 1 livro de poesia cada. Nenhuma destas editoras arriscou na publicação de originais de novos autores. A Afrontamento fez um pouco mais e editou 2 livros (duas antologias organizadas por Albano Martins). Claramente, é noutros lados que as coisas estão a acontecer: são a Averno (12 livros) e a Língua Morta (17 livros) que surgem como grandes forças motrizes da edição de poesia em Portugal. Se a Averno já anda nestas lides há uma década, facto que deve ser devidamente enaltecido, espantoso é o salto, em quantidade e qualidade, da Língua Morta. De qualquer maneira, estas pequenas editoras não poderão substituir as de maior dimensão, pois só estas possuem as condições necessárias para a edição de obras mais ambiciosas (antologias, traduções regulares de autores vivos, reuniões de obras poéticas), como se constata, aliás, pelo que aconteceu este ano. Dois exemplos: só editoras como a Assírio ou a Relógio D'Água poderiam editar livros como as antologias de poesia colombiana ou a do Nobelizado Tranströmer. Porém, os sinais mais recentes não indiciam mudanças de rumo nas linhas de trabalho destas editoras. E a crise económica não justifica tudo).

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Um retrato de Rosa Luxemburgo e dois poemas de Jorge Riechmann




Janeiro é água no canal de Landwehr



O tenente de caçadores ordenou:
"A porca tem que nadar".
O soldado de caçadores Runge regressou uma hora depois:
"A porca já está a nadar".
Berlim, 1919.
Janeiro é água no canal de Landwerhr
onde se vão apagando as mãos
de Rosa Luxemburgo.


*****


Convivo com assassinos



Não são intelectuais: são apenas profissionais eficazes.
Dado um fim, alcançam-no muitas vezes
com a máxima economia de meios.
Mesmo quando o fim consiste, tantas vezes assim é,
na máxima delapidação de meios
conseguem sair-se bem com elegância.

Convivo com assassinos.
Cheiram muito bem. É agradável
o seu humor profissional.
Praticam o beija-mão com alegre ferocidade.
Nos lábios sempre um sorriso
que poderia passar por autêntico
e por certo é.

Convivo com assassinos.
Adoram Bruckner ou Moramdi.
O seu sentido estético está tão desenvolvido
quanto a sua profissão exige, pois eles
são bons profissionais. Capazes
de começar a chorar diante de uma orquídea.
Depois regressam à sede do conselho de administração
para planearem a próxima operação comercial.



(Poesia espanhola de agora, vol II, Relógio D' Água, Lisboa, 1997, p. 653 e 659, respectivamente; tradução de Joaquim Manuel Magalhães).

terça-feira, 6 de novembro de 2012

António Osório sobre "o desprezo pela poesia"


        Tão-pouco nos devemos confinar a uma ironia sarcástica contra um mundo cruel.
        Sem dúvida, a poesia terá de ser um "refúgio" contra a voragem tecnocrática, contra o desrespeito pela beleza do mundo, contra a destruição da paisagem. Os seus são os valores da vida, a poesia é, como Croce sempre defendeu, a "palavra cósmica", uma forma de não se submeter, mas de se indignar, de estar ao lado dos humilhados, uma afirmação humanista.
        Retenhamos estas palavras de Rainer Maria Rilke, nas suas Cartas a um Jovem Poeta: "ser artista é amanhecer como as árvores, que não duvidam da própria seiva e que enfrentam tranquilas as tempestades da Primavera, sem recear que o Verão não chegue".
        Teremos de ser como elas, que não põem em causa a própria seiva e que resistem às tempestades da Primavera. Contra o desprezo pela poesia, oponhamos uma perseverante defesa. E ofereçamos os nossos livros com um gesto fraterno.



(Quatro últimos parágrafos do "Apêndice" a O concerto interior - evocações de um poeta, Assírio & Alvim, Lisboa, 2012).

domingo, 4 de novembro de 2012

A. M. Pires Cabral

Foi para isso que os poetas foram feitos



semear tempestades
e assegurar que cresçam
foi para isso que os poetas foram feitos

esgrimir com a mais idónea
das espadas: a coragem
foi para isso que os poetas foram feitos

namorar a perfeição
e às vezes alcançá-la
foi para isso que os poetas foram feitos



(Poema incluído em a vista desarmada, o tempo largo - antologia / poetas em homenagem a Vasco Graça Moura, Quetzal, p. 61).

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Um prémio para António Barahona

Depois de uma notícia tão triste, a morte de um grande poeta, uma notícia tão luminosa: um prémio justíssimo atribuído a António Barahona. A dificuldade do júri (David Teles Pereira, Luís Miguel Queirós e Mariana Pinto dos Santos) deve ter estado na escolha do livro, pois o autor publicou duas obras extraordinárias no ano passado: esta, agora premiada, e o O Som do Sôpro, um livro excepcional também por ter sido editado pela Poesia Incompleta de Mário Guerra/Changuito. Parabéns ao poeta, à sua editora (Averno) e aos promotores do prémio. Este é um bom pretexto, também, para voltarmos a ler outros belíssimos livros que o ano de 2011 nos deu.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

It's the end of poetry as we know it (and I feel fine)

Num artigo publicado na edição de hoje do Ípsilon (com o título modesto de "Balanço e contas da literatura portuguesa"), a propósito do livro O romance português contemporâneo, 1950-2010, de Miguel Real, João Bonifácio compara a suposta força dos novos romancistas portugueses com o suposto enfraquecimento da "poesia e [d]o conto" que, no contexto nacional, "parecem, enquanto géneros, ter quase soçobraçado, com excepções". Não se diz mais nada sobre o assunto. Faz-se um juízo de valor desta envergadura sobre dois "géneros" literários e os autores que os praticam e avança-se como se nada fosse. Isto é o quê? Seriedade crítica?  Provocação? Simples ignorância? Quais são os sinais desse quase generalizado soçobramento? Que razões encontra o autor para fazer essa afirmação (que, sem explicação nem enquadramento, é, no mínimo, gratuita)? E quais são, afinal, as excepções? Na verdade, no caso da poesia, estas palavras parecem ecoar, em tom menos (!) catastrófico (há, pelo menos, excepções, embora dê muito trabalho nomeá-las...), as de Nuno Júdice reveladas na entrevista que o autor de A noção de poema deu à Ler de junho passado: "a poesia está a atravessar uma crise. Não há nomes que se destaquem nem se encontra uma linguagem de rutura ou de transformação relativamente ao que é a nossa tradição que vem do século XX". Crise? Rutura? Mas estas noções são inovadoras onde e para quem? Felizmente, a realidade é muito mais viva, rica e bem humorada do que alguns parecem pensar. Deixo-vos, a terminar, a "Parábola da culinária mediterrânea", de David Teles Pereira:

A poesia é como as ovas de ouriço-do-mar
sabe melhor com um pouco de acidez

Bom proveito para quem a saiba aproveitar.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

A poesia em 2012: Miguel-Manso

Jardim dos Heréticos



vai dia trás dia e é boa altura, esta

para ler Sá de Miranda
pois que é tosca a pátria, a língua é muda
e aquela verdura minha se ensarilha no produto
interno da bruteza nacional

mais cousa menos verso
e ficarei sem quinhão algum, faço as malas
para o escuro território desse

íntimo inalterável

porção concebida de amor negro, luminar
que troquei pronto por essa desarmonia rapace
que catava e urdia a longeva posteridade

para a poesia se vai a pé
cabeça nua, mãos vazias, pasmando até à morte
como quem reúne face a face com o mal
- asseguro-lhe, Ex.ª, este mal de que falo está cheio da graça que procura -
e é preciso considerar como sã e generosa
a ordem de expulsão do paradiso

seja o perdido, perdido; seja aqui o que começa



(Ensinar o caminha ao diabo, Lisboa, edição do autor, p.86).

terça-feira, 19 de junho de 2012

Jorge Roque

Viola partida - 3



Agilidade técnica, destreza na rima, ouvido para o ritmo, instinto harmónico - e a morte, Doutor, e a morte? Como nas teclas os dedos do pianista, a posição exacta, momento, peso, a ascensão e queda de cada nota, o seu trajecto contra o silêncio que a revela - e a morte, Doutor, e a morte? Conhecimento dos poetas de outras épocas, genealogia da língua, amplitude e precisão do léxico - e a morte, Doutor, e a morte? Domínio pleno do instrumento, no fundo é disto que se trata, claridade da articulação, objectividade expressiva, intensidade interior, saturação lírica - e a morte, Doutor, e a morte?



(Canção da vida, Averno, Lisboa).

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A poesia em 2012: Manuel de Freitas

Lawrence's, Quarto Jane Lawrence



Não é fácil dormir, quando se ergue
à nossa frente, oval e severo,
o retrato de Jane Lawrence Oram,
promessa quase certa de pesadelos.

Junto ao chão, num pequeno nicho,
os livros de António Barahona
e Diogo Vaz Pinto vieram fazer companhia
a Bram Stoker, Hans Martin e Isabel Allende
- oferenda de remotos frequentadores
deste mesmo quarto virado para o bosque.

Não é fácil, em suma, dormir nesta cama
tão larga, esculpida em madeira velha
- e o vento, em qualquer língua,
apenas significa morte.



(18 de Abril; Língua Morta, Lisboa, 2012, p. 7).

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Manuel Bandeira

Porquinho-da-índia



Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho -da-índia foi a minha primeira namorada.



(Antologia, Relógio D'Água, Lisboa, 2006, p. 104).

Of monsters and men




(Via Pátio Alfacinha)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Fabio Weintraub

Love Me Tender



Antes de se tornar cantor
Rod Stewart foi coveiro
como todos os homens de sua família

Nos Estados Unidos
há mais de 53 milhões de cachorros
Cachorros adoram enterrar ossos

Todo ano milhões de árvores
são plantadas acidentalmente
por esquilos que esquecem
onde enterram suas nozes

As linhas aéreas norte-americanas
economizaram 40.000 dólares em 1987
eliminando uma azeitona em cada salada
servida durante o vôo

Azeitona é o nome
comumente usado
para designar os projéteis
que recheiam um cadáver
(também conhecido como presunto)

7% dos americanos acreditam
que Elvis Presley está vivo

Escovas de dentes azuis
são mais usadas que as vermelhas



(Baque, Língua Morta, Lisboa, 2012, pp. 44-45).

segunda-feira, 26 de março de 2012

Que miséria,

chegar a casa e ficar a saber disto!
Que tristeza!
Que merda!
Um grande abraço para o grande sonhador!

segunda-feira, 19 de março de 2012

The Antlers

Música para leitores de Sylvia Plath. Ou Clarice Lispector. Ou Flannery O'Connor.

quinta-feira, 8 de março de 2012

A poesia em 2012: Miguel Martins

Era o Inverno de 69...



Era o Inverno de 69.
Havia notícias como há sempre,
e suponho que fizesse frio.

A parentela acorria,
acotovelava-se ao redor da cama,
fingia estar feliz, ou talvez estivesse,
sabe Deus porquê. (Ao mesmo tempo,
abrigava-se da chuva.)

Nunca fui tão pequeno, nem tão pouco
parvo. A partir de então, industriaram-me
nas artes e ciências de estar vivo,
excepto a respiração, que é oferecida:

comer, roubar, fugir,
ser intramuros e existir na gleba,
e desistir
silenciosamente.

Sim. Foi, para mim, o Inverno dos Invernos.

E não há meio de acabar.



(a metafísica das t-shirts brancas, Edições 50 kg, Porto, 2012, p. 5).

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A poesia em 2012: Manuel Paes

Helás



Helás, si j'étais musik und poesie
trés justement misosophe
talvez pudesse respirar
ou adivinhar
durante um segundo,
uma ilusão de verdade.



(Em equilíbrio no tempo, Tea For One, Lisboa, 2012, p. 13).

domingo, 29 de janeiro de 2012

A poesia em 2012: Daniel Jonas

Ontem devia ter comprado o PÚBLICO. Por causa disto:

As folhas caídas


Nada de muito diferente de há quarenta mil anos.
Estes alunos são ainda homens das cavernas.
Verdadeiramente totémicos,
os pré-históricos alunos
desenham falos em livros de encantar,
castigam as páginas de belos livros com
conspícuos e vigorosos membros
deteriorando os materiais, aviltando o texto,
sobrepondo à cândida ilustração
a sua leitura do mundo,
a sua arma de escolha.

As meninas ficam horrorizadas.
nem falam.

As pinturas rupestres estão agora por todo o lado:
livros, carteiras, paredes
como nas paredes das cavernas há quarenta mil anos...
E em que é que estas diferem daquelas?
E o que é uma sala de aula senão uma caverna
e as paredes paredes?
Civilizações de permeio apenas,
a possibilidade da rinoplastia...

Eu olho-os com os seus occipitais protuberantes,
na depressão de testa e mento,
na fria latitude pleistocénica
desta caverna
onde Platão não tem lugar,
apenas o mamute que prenuncio lá fora,
gélido como um temporal,
proboscídeo, adventício,
anunciando a era do elefante.

As folhas caem. Os falos também...
Tudo está solto, caduco.
Estes alunos são os elefantes que o mamute anuncia.
E os genitais continuam a ser um modo de expressão,
de pôr trombas em todo o lado, epigramas
assomando nesta tarde cinzenta.

enquanto atiro o olhar
pelo ponto de fuga da janela,
o meu olhar irreprimível face aos lenhos,
vigorosamente inscritos
na paisagem.



Daniel Jonas (lido aqui)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

John & Jehn (20L07)

Como as leituras de poesia têm andado um bocadinho limitadas por falta de tempo, compensemos com música pop:



(Obrigado, p.)

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Um dos livros de poesia traduzida do ano




(Ouvido, lido e visto no Bibliotecário de Babel; Vai dormir, F*da-se, de Adam Mansbach; uma edição da ArtePlural; ilustrações de Ricardo Cortés; tradução de Joana Neves; música de Alexandre Cortez; leitura de Nuno Markl).

Sonhos cor-de-rosa!