segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Um retrato de Rosa Luxemburgo e dois poemas de Jorge Riechmann




Janeiro é água no canal de Landwehr



O tenente de caçadores ordenou:
"A porca tem que nadar".
O soldado de caçadores Runge regressou uma hora depois:
"A porca já está a nadar".
Berlim, 1919.
Janeiro é água no canal de Landwerhr
onde se vão apagando as mãos
de Rosa Luxemburgo.


*****


Convivo com assassinos



Não são intelectuais: são apenas profissionais eficazes.
Dado um fim, alcançam-no muitas vezes
com a máxima economia de meios.
Mesmo quando o fim consiste, tantas vezes assim é,
na máxima delapidação de meios
conseguem sair-se bem com elegância.

Convivo com assassinos.
Cheiram muito bem. É agradável
o seu humor profissional.
Praticam o beija-mão com alegre ferocidade.
Nos lábios sempre um sorriso
que poderia passar por autêntico
e por certo é.

Convivo com assassinos.
Adoram Bruckner ou Moramdi.
O seu sentido estético está tão desenvolvido
quanto a sua profissão exige, pois eles
são bons profissionais. Capazes
de começar a chorar diante de uma orquídea.
Depois regressam à sede do conselho de administração
para planearem a próxima operação comercial.



(Poesia espanhola de agora, vol II, Relógio D' Água, Lisboa, 1997, p. 653 e 659, respectivamente; tradução de Joaquim Manuel Magalhães).

terça-feira, 6 de novembro de 2012

António Osório sobre "o desprezo pela poesia"


        Tão-pouco nos devemos confinar a uma ironia sarcástica contra um mundo cruel.
        Sem dúvida, a poesia terá de ser um "refúgio" contra a voragem tecnocrática, contra o desrespeito pela beleza do mundo, contra a destruição da paisagem. Os seus são os valores da vida, a poesia é, como Croce sempre defendeu, a "palavra cósmica", uma forma de não se submeter, mas de se indignar, de estar ao lado dos humilhados, uma afirmação humanista.
        Retenhamos estas palavras de Rainer Maria Rilke, nas suas Cartas a um Jovem Poeta: "ser artista é amanhecer como as árvores, que não duvidam da própria seiva e que enfrentam tranquilas as tempestades da Primavera, sem recear que o Verão não chegue".
        Teremos de ser como elas, que não põem em causa a própria seiva e que resistem às tempestades da Primavera. Contra o desprezo pela poesia, oponhamos uma perseverante defesa. E ofereçamos os nossos livros com um gesto fraterno.



(Quatro últimos parágrafos do "Apêndice" a O concerto interior - evocações de um poeta, Assírio & Alvim, Lisboa, 2012).

domingo, 4 de novembro de 2012

A. M. Pires Cabral

Foi para isso que os poetas foram feitos



semear tempestades
e assegurar que cresçam
foi para isso que os poetas foram feitos

esgrimir com a mais idónea
das espadas: a coragem
foi para isso que os poetas foram feitos

namorar a perfeição
e às vezes alcançá-la
foi para isso que os poetas foram feitos



(Poema incluído em a vista desarmada, o tempo largo - antologia / poetas em homenagem a Vasco Graça Moura, Quetzal, p. 61).